quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

LIDERANÇA E O CAMINHO DO MEIO


Em 2002 pedi demissão da comunidade que liderava em New Jersey, para voltar ao Brasil a fim de concluir meu curso de psicologia que deixara no último ano do programa. Fiquei, em Recife, um ano inteiro sem trabalhar, congregando, com minha família, na mesma igreja que havia liderado por sete anos, antes de nos mudarmos para os Estados Unidos.

Ver imagem em tamanho grandeAquela comunidade sempre fora muito afetuosa e receptiva em relação ao meu trabalho e liderança. Mas, naquele ano que passamos lá, apenas como frequentadores comuns, éramos somente mais uma família. Não havia aquele tratamento, digamos, mais "meloso", que os líderes costumam receber. Um ano depois, com a  saída do pastor Edvar Gimenes, o grupo me convidou para assumir interinamente a vaga. Logo, a psicologia do papel ficou muito clara, tanto pra mim, quanto para Carla, minha esposa, porque, do dia para a noite, passamos, novamente, a receber um tratamento VIP. 

A partir dessa experiência percebi que, no contexto da liderança organizacional,  a maior parte das pessoas, relaciona-se, não com a pessoa do líder, mas, com o papel que ele exerce. Enquanto durar o papel, e for bem desempenhado, durará a relação, os mimos e as recompensas afetivas que o papel proporciona. Encerrado, rasgado ou alterado o papel, diferenciada passa ser a relação.

Essa constatação não nos fez mal. Pelo contrário, abriu os nossos olhos para que resolvêssemos ser um pouco mais nós mesmos, sem ficarmos colados ao papel, ou seja, ao que meramente esperam, e respondem, dos movimentos de nossa posição. Mesmo guardando o respeito pela opinião dos outros, decidimos não usar mais, indefinidamente, a máscara que o papel impõe, ainda que, em alguns momentos, pagando o preço do não-apreço.

                                     
Isso não significa que as pessoas sejam falsas. Na verdade, elas são normalmente genuínas ao lidar com o papel que o líder exerce e não com a pessoa que, circunstancialmente, as lidera.  De fato, essa filtragem que fazem, ao nos enxergarem pela estampa, é psicológica, e inevitável, no contexto da dinâmica grupal. É assim, e pronto! Nós, os líderes, é que devemos nos ajustar à essa inexorável realidade. Mas, como respeitar o papel social que exercemos na organização, sem perdermos a essência de ser pessoa e, ao mesmo tempo, servir às pessoas através do papel exercido?

O caminho do meio  

Ver imagem em tamanho grandeEm sua Ética a Nicômaco, Aristóteles estabelece uma regra fundamental para se fazer o que é certo: Evitar tanto o exagero quanto a deficiência. Por exemplo, coragem é uma virtude, mas, em exagero, pode dispor o sujeito a perigos desnecessários; em deficiência, não passa de covardia. Para o filósofo, não é o sentimento que estabelece a virtude ou o vício, nem a capacidade de expressar tal sentimento, mas a expressão concreta, a disposição, ou manifestação desse sentimento: o medo, por si somente, não é virtude nem vício, mas, o modo como o indivíduo expressa esse medo, pode ser visto como virtude ou vício.

No sentido de nosso tema, exagero no uso da máscara é assumir a totalidade do comportamento que os liderados esperam do líder. Certa vez, eu me hospedava na casa de um pastor. Por alguma razão, ele precisava parar no escritório para pegar alguma coisa. Mas, como estávamos voltando da praia, sua esposa  o aconselhou a não parar na igreja, para que as pessoas não o vissem de calção de banho. Era uma questão de "postura." Ao longo desses anos, tenho visto vários líderes sucumbirem sob a máscara que usam, porque, ninguém consegue viver por muito tempo descolado de seu verdadeiro self, colado a um self artificial. Casamentos desmoronam, filhos se revoltam e, no fim, a liderança ganha ares meramente técnicos, ou políticos.

Por outro lado, a deficiência estaria em ignorar completamente o papel. O líder há de entender que o papel social é importante, e que a maior parte das pessoas vai, inevitavelmente, se relacionar com o líder, primariamente, via posição, função, cargo. Evitar a colagem exagerada, bem como, a descolagem completa, não é tarefa fácil, mas é o único meio de manter a influência, sem descaracterizar-se como pessoa.
                                                                             
E, por fim, é sempre bom lembrar-se de não ancorar a autoestima nos elogios, ou vaias, ao papel exercido, porque, um dia, quando não houver mais função, só vai restar a pessoa. Por conseguinte, quem vive com uma máscara por muito tempo, raramente sabe como viver novamente consigo mesmo, com seu rosto real.  É nesse sentido que a palavra ensinada por Jesus tem grande valor, e eu aqui parafraseio: que adianta ao líder ganhar a admiração, mimos e aplausos da audiência inteira, e depois perder a sua alma (psique)?

Um comentário:

  1. Eu quero levar essa esperiencia sua para o resto da minha vida, pois agora vou experimenter viver no mesmo ambiente sem ser lider.

    Cristina Morais

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