sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

LIDERANÇA: A FRAGILIDADE QUE FRAGILIZA


The Golden BoughJames G. Frazer, em seu livro "The Golden Bough - The Roots of Religion and Folklore", afirma que entre povos primitivos, em muitos casos, os sacerdotes eram também reis, ou seja, líderes políticos. Porém,  o líder tinha de ser uma pessoa forte, que não deveria mostrar sinais de fraqueza, de decadência. Na verdade, muitos povos não permitiam que o rei tivesse nem mesmo rugas, ou cabelos grisalhos, pois, eram sinais claros de desqualificação para liderar um povo, normalmente, guerreiro. Frazer destaca que o rei, no caso, o líder, jamais poderia exibir sinais de fraqueza ou incompetência; e que seria de grande importância esconder essas indicações o máximo possível, por mais tempo possível.

           Segundo Frazer, o costume de matar os reis, logo que mostrassem sinais de algum defeito, prevaleceu até pouco mais de dois séculos atrás, nos reinos Kafir e Sofala, ao norte da atual terra Zulu. Tais reis, destaca Frazer, "eram reputados como deuses, pelos seus povos... Entretanto, ao menor sinal de decadência, como a perda de um dente, já era motivo suficiente para ser morto." Esse tipo de cultura levava muitos desses líderes a renunciar ao posto, quando não ao suicídio, quando se encontravam fragilizados, pois, eles mesmos se consideravam desqualificados para a liderança. 

          Mesmo com o avanço da civilização, a psicologia dos liderados admite pouco ou nenhum sinal de fraqueza de seus líderes. No inconsciente coletivo, o líder é aquele que se destaca, nunca um tímido; que está acima da média, nunca uma pessoa comum; que inspira e nunca precisa de encorajamento; que motiva e nunca desanima; que cuida e não precisa de cuidados; que escuta os lamentos, mas nunca pode se lamentar, e assim por diante.

         Lembro-me de ter, por algumas vezes, aberto o meu coração, tanto em reuniões formais, quanto com líderes mais chegados. No meu caso particular, praticamente todas as vezes que abri minha alma, falei de algum desânimo, ou mostrei o meu avesso frágil, tive, no médio prazo, respostas negativas. Não é que seja maldade das pessoas, mas este parece ser um traço da psicologia de grupo, ou seja: o vínculo da maioria dos liderados com seu líder, longe de ser pessoal é muito mais de ordem técnica, política, representativa. Enquanto bem servir, sendo capaz de se mostrar forte e representar bem o "status quo" da tribo, o líder permanece fortalecido no imaginário dos liderados. Do contrário, começa a ser substituído, primeiro, na mente, depois, de fato.

           Mesmo diante desse risco, não sou a favor de que o líder, para se preservar, passe aos liderados uma imagem que não corresponda à sua essência como ser humano. Pelo contrário, ser autêntico é uma virtude que deve ser cultivada, e umas das mais importantes qualidades de um líder, pois, dizer o que sente e sentir realmente o que diz, dá credibilidade e assegura, a longo prazo, o caráter íntegro que todo indivíduo deve ter, não como teatro, mas como verdade. Todavia, para dizer o que sente, o líder deve levar em conta três aspectos importantes:

         Primeiro, o líder deve escolher a dedo com quem abrir o coração. Antes de tornar alguém seu confidente, esteja seguro de que ele, ou ela, é de inteira confiança e que não vai usar publicamente o que escutou, contra você mesmo, sem dó ou constrangimento, em momento de conflito público. 

           Em segundo lugar, o líder deve dar tempo ao tempo. Não tenha pressa em abrir o coração com alguém. Não pense que relações de mesa, queijos e vinhos, definem o profundidade da afeição, da lealdade e do compromisso ético. É no deserto da crise, da escassêz, da falta de perspectiva e até da dúvida, que uma pessoa mostra sua verdadeira face. Por outro lado, espere, também, até que a pessoa tenha passado por algum de posto de exercício de autoridade, porque, "se você quer conhecer o caráter de alguém, basta dar a ele o poder." Somente depois disto, talvez, você possa, se realmente necessário, com muita cautela, abrir seu coração.    

        Em terceiro lugar, e o que é mais importante, o líder  deve ficar sempre preparado para que as duas atitudes acima ainda não sejam suficientes. Por mais leal que alguém possa ser, ainda é possível que deserte em algum momento, porque o ser humano não é um programa de computador que segue os rumos traçados pelo programador. Nas relações humanas há muitas coisas boas: solidariedade, altruísmo, consideração, etc. Mas, há também muitas motivações pessoais, disputas territoriais, traços neuróticos, transferências emocionais e interesses diversos implicados. Todos nós temos um lado claro e outro escuro. Como afirmava Pascal, ninguém é totalmente bom, nem inteiramente mal, mas cada um é dotado de potencialidades que podem servir para o bem ou para o mal. E foi Jesus quem afirmou que "do coração do homem procedem os maus pensamentos, os homicídios, adultérios, imoralidade, roubo, falsos testemunhos, blasfêmias" (Mt. 15:19); e ainda, "roubos, ambição avarenta, arrogância." Mc. 7:21

          Mesmo diante do risco de se machucar e ser machucado, não recomendo o isolamento. Recomendo a coragem de se relacionar. Aristóteles destaca que o homem é um "animal político"  que só é completo vivendo em relação. O risco de se machucar, sendo parte de uma comunidade, é muito alto, sobretudo, para quem exerce a função de líder. Entretanto, a vida é assim mesmo! As feridas relacionais fazem parte da existência; e de onde vem a dor, pode vir também a alegria. Querer o prazer, sem estar preparado para o infortúnio, é uma expectativa carregada de ilusão. O que recomendo é prudência: quanto mais puder preservar-se como pessoa, evitando expressar, exagerada e repetidamente, suas fragilidades, menos vulnerável será diante dos inevitáveis jogos de poder, próprios da vida grupal. Já é bastante a limitação natural mostrada na caminhada operacional do dia a dia.


          Quando eu era mais jovem, assistindo aos filmes de Hollywood, achava interessante a primeira coisa que o policial dizia ao prender o bandido: "Você tem o direito de permanecer calado, pois, o que disser, poderá ser usado contra você no tribunal." Hoje, sei que isto é verdadeiro, também, na dinâmica do tecido grupal. Por isso, concluo, citando um provérbio muito apropriado: "Na multidão de palavras não falta transgressão, mas o que gerencia bem os seus lábios é prudente" (Prov. 10:19). 

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